CARTA
ABERTA A REVISTA ISTO É.
CORREÇÃO DO PROF. AZENILTON BRITO
Por
Evandro Luiz da Cunha
Crítica a Edição 1629 de
20/12/2000. http://www.terra.com.br/istoe/
Matéria de capa: 2000 ANOS DE JESUS CRISTO.
Primeiramente, queremos congratulá-los pela iniciativa de
publicar um tema tão antigo e tão polêmico como a figura de Jesus.
Após a leitura
dos artigos sobre 2000 ANOS DE CRISTO, gostaria de fazer algumas ponderações:
1.
UMA DISTINÇÃO FUNDAMENTAL:
Cremos que um dos grandes lapsos cometidos por historiadores, teólogos e demais
pesquisadores do fenômeno cristão é amalgamar dois conceitos fundamentais: a
distinção entre CRISTIANISMO BÍBLICO (a pessoa e atos de Jesus Cristo e
apóstolos, como registradas na literatura canônico–bíblica. Marcado pelo
carisma) e o CRISTIANISMO HISTÓRICO (como esse registro bíblico foi
interpretado e vivenciado através da história, seja na forma de catolicismo,
ortodoxismo ou protestantismo e demais experimentos cristãos–marcado pelo
institucionalismo e pelo jogo do poder).
Alguns marxistas hodiernos costumam declarar que Marx ficaria
escandalizado com o que os soviéticos e outros camaradas chamaram de
“socialismo”. Ou seja, segundo eles há uma
dicotomia entre o que Marx ensinou e como os marxistas leram seus escritos. O
mesmo se pode afirmar de Jesus Cristo e o cristianismo histórico (ideologia a
serviço de uma elite que dominou e domina em nome de Deus – os mercadores do
sagrado).
2.
AFIRMAÇÕES INTRODUTÓRIAS: Na
Cronologia do Cristianismo aparece duas declarações que não se harmonizam nem
com o relato bíblico nem histórico: (a) que Jesus cria na imortalidade da alma
– embora seja uma crença grega (Platônica) que foi introduzida por Agostinho
4º-5º AD e adotada oficialmente pelo Cristianismo Histórico. Teólogos contemporâneos como John Stott tem
concluído que essa doutrina é estranha aos ensinos do Cristo bíblico. (b) Que
Pedro se tornou o primeiro bispo da Igreja de Roma. Dificilmente um historiador sério faria esse
tipo de afirmação.
3.
A OBJETIVIDADE DOS
ARTICULISTAS: Percebemos que os autores
dos artigos em sua maioria são liberais.
Onde ficou a neutralidade científica (que após a leitura fui forçado a
crer que não existe) da revista? Se o objetivo
era polemizar, como discutir com pessoas que crêem a mesma coisa? Quem sabe a dialética hegeliana (tese,
antítese e síntese) nos ajudasse nesse aspecto.
A ausência de teólogos conservadores deu a impressão que a meta não era
informar, mas catequizar. Além do mais,
os editores olvidaram que muitos dos pensadores na atualidade, estão mais
compromissados com o Modismo Teológico do que com a epistemologia do fenômeno
religioso. Por exemplo, o movimento
feminista inspirou a Teologia Feminina, os movimentos negros a Teologia Black,
as questões sociais da América Latina a Teologia da Libertação, que por sua vez
é filha da Teologia da Esperança, Teologia da Morte de Deus, etc..
Recentemente, o movimento gay tem
reivindicado sua Teologia. Tomemos como
exemplo, dois articulistas que falaram tanto de revoluções, opressão dos
oprimidos, etc.- Leonardo Boff e Rubem Alves.
O primeiro não escreve mais sobre a Teologia da Libertação. O revolucionário marxista, agora é guru do
pensamento positivo – místico. A
revolução não é mais dos sistemas, mas do homem em sua interioridade. É verdade que ainda fala de fome e injustiça social, porém com um discurso
moderado; o segundo se dedica a área de
educação (escrever e ensinar). Onde está a militância? Foi superada pelas exigências da
sobrevivência. A onda agora é Padre
Marcelo, Bispo Macedo e Paulo Coelho.
A revolução deu lugar à religião.
4.
A METODOLOGIA ADOTADA: Voltamos mais uma vez à questão do mito da
neutralidade e honestidade científicas.
Todo campo do saber possui uma metodologia específica para seus objetos
fenomênicos. Não devemos estudar
matemática tendo como orientação uma gramática.
A religião é um campo onde a fé é quem impera, e não a lógica. Como observou Boff in loco: “O cristianismo é menos algo para se compreender
intelectualmente do que para se viver afetivamente” (p.71). Mesmo pensadores como Tomás de Aquino, que
cria que a Razão e a Revelação eram duas fontes de verdades fidedignas, quando
em conflito a Revelação teria a primazia.
O Cristianismo Bíblico, embora não seja um fideísmo, nunca reivindicou
para si status de filosofia, ciência,
muito menos de registro histórico meticuloso.
“As Escrituras são contraditórias e incompletas. Na Verdade, mais
simbólicas do que documentais” (p.60).
Acusar os textos canônicos de contradições é desconhecer a natureza de
tais textos (tenho dúvidas que todos os articulistas já leram na íntegra, os
sessenta e seis livros da Bíblia). Ainda
sobre contradições, se o argumento que as contradições invalidam a
autenticidade e credibilidade de um texto, os grandes pensadores estariam em maus
lençóis. Contradições existem em Platão,
Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Kant, Hegel, Nietzsche, Marx, Darwin,
Freud, etc. Por fim, nos próprios artigos em apreço. Se queremos encontrar contradições e
inconsistência em um autor, é só ler os que discordam dele.
Quanto à historicidade de Jesus,
não apenas ele, mas muitos personagens antigos tiveram sua existência posta em
dúvida. Como, por exemplo, Sócrates. Alguns crêem que ele é uma criação de
Platão. Se compararmos a documentação na história secular entre Sócrates e
Jesus Cristo, veremos que o Galileu leva vantagem. Basta citar Cornélio Tácito
(52-54-AC), Suplício Severo, Luciano de Samosata, o historiador judeu Flávio
Josefo (37 AD) em antiguidades xviii.33, afirma: “Por essa época havia um homem
sábio chamado Jesus. Seu comportamento era bom, e sabia-se que era uma pessoa
de virtudes...” (versão árabe).
Poderíamos citar outras fontes extra bíblicas como, Suetônio (120 AD),
Plínio Segundo, o Jovem, Talo, o historiador Samaritano que escreveu em 52 AD,
etc.. Como ponderou Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que
possa julgar a nossa vã filosofia” (Hamlet).
Antecipamos
nossos agradecimentos pela atenção,