Pr. Evandro L. Cunha,
Ph.D.
Como estudo o tema da sexualidade há
mais de 20 anos, um dos aspectos para mim mais intrigante é o adultério. As
pesquisas mostram que é possível trair mesmo amando o cônjuge. Outras apontam
para fatores genéticos, bioquímicos, psicossociais, etc. Porém, uma instituição
americana que trabalha com restauração de pastores que caíram no campo da
sexualidade, trouxe um dado muito interessante. Segundo eles, um dos fatores
confessados pelos próprios pastores era a falta de prestação de contas da vida
espiritual a outra pessoa. Ou seja, não havia ninguém para cobrar um
comportamento correto. Numa pesquisa realizada em banheiros públicos em Londres
feita em dois modelos, o primeiro consistia em filmar o comportamento dos
usuários em banheiros onde havia a presença de um zelador, e o segundo filmar
sem a presença do zelador. O resultado foi que o experimento com a presença do
zelador, mais de 80% de os usuários lavavam as mãos depois de usar o toalhete.
Enquanto, no segundo experimento sem a presença do zelador a reação foi
contrária, as pessoas saíam sem lavar as mãos. Conclusão, “a presença do outro
altera nosso comportamento”. Isso está em perfeita harmonia com a teologia
bíblica. José não pecou porque não sentia desejo de pecar, mas porque tinha
essa consciência muito nítida da “presença do Outro (Deus)” em sua vida. Os
profetas como Elias e Isaias falaram sobre essa presença metafísica cuja a
consciência da mesma inibe o pecado, e a não consciência nos expõe ao pecado.
Por viver numa sociedade antirreligiosa às vezes somos tentados a pensar que
estamos sozinhos e não tem ninguém nos olhando (espiritualmente falando). A
pesquisa mencionada acima expos que os pastores necessitam ser “cobrados” por
excelência moral e espiritual. E isso é possível não através de votos
administrativos, mas por meio de redes de amizades. Um pastor que não consegue
partilhar sua intimidade com sua esposa será uma presa fácil nas mãos do
Inimigo. Aqueles que se fecham em si mesmos são os mais vulneráveis. Ter um
amigo para “confessar” as tentações é uma das melhores formas de evitar entrar
no estágio onde não há mais como resistir, sim, porque a tentação é como um
imã, nos atrai mas se mantivermos determinada distância é possível resistir sua
força de atração, mas há o ponto crítico que se ultrapassar a linha invisível é
impossível o retorno.
É com tristeza que lembro que
durante meus 15 anos como pastor ordenado trabalhando na IASD, recordo poucos
momentos onde o tema da sexualidade foi trabalhado com os pastores. Entre essas
parcas lembranças, algumas eu mesmo tomei a iniciativa em meditações para
pastores ou fazendo intervenções nas falas de palestrantes. É certo que em
Encontros de Casais Pastorais se fala em sexo, mas geralmente em sexo conjugal,
pouco se fala da dinâmica da tentação e como evitá-la. No mestrado, ouvi duas
menções diretas sobre o assunto, uma com o dr. Estrada, na matéria sobre aconselhamento
(no Unasp), e a outra, numa classe sobre Romanos no Iaene, ministrada por um
professor argentino, Pereira creio ser seu nome. Além dessa, um concílio da
Divisão no Iaene, ofereceram uma classe sobre sexualidade, optativa porque
havia outras aulas simultâneas, onde não creio que foi possível todos
assistirem, eu mesmo não consegui. Portanto, há um problema identificado.
Enquanto acharmos que nossos pastores são seres super espirituais e
inumes às pulsões sexuais teremos problemas.
A realidade é construída pela
palavra. O ato de dar nomes as coisas, fez com que elas, de certo modo,
passassem a existir. Os teóricos da filosofia dos Atos de Fala advogam
que as palavras têm o poder de alterar realidade e construir outras. Dito de
outra forma, do que não se fala não existe. Se não falarmos dos problemas em
potencial da sexualidade no pastorado, é como se eles não existissem. Se você
não fala de determinados temas na família e/ou na igreja, eles deixam de
“existir”. O Diabo gosta dessa estratégia. Omitir significa negar a existência,
e negando a existência é mais fácil agir sem ser combatido. O inimigo se torna
“invisível” porque nós o tornamos assim. Isso é muito perigoso.
Por experiência pessoal quero
partilhar como até agora não “caí”, não foi por falta de desejo nem de oportunidade,
mas porque incutir na minha mente três PENSAMENTOS POSITIVOS: sempre que sou
tentado no campo da sexualidade procuro lembrar-me do meu DEUS, da minha
FAMÍLIA e da minha IGREJA (esta ordem não pode ser alterada). Não tem tesão que
resista a essa tríade santa! Além do mais, minha vida interior passou por um
processo radical quando comecei a compreender a mim mesmo. Isso foi possível
bebendo de quatro fontes: a Bíblia, os escritos de EGW, principalmente Caminho
a Cristo, os escritos de Freud (a psicanálise) e o livro As Confissões de
Santo Agostinho. Na Bíblia aprendi sobre a “natureza humana pecaminosa”,
imprevisível, indomável, que sozinha está condenada ao fracasso, mas também
compreendi que a salvação é muito maior que todos os nossos pecados acumulados.
Isso pode parecer evangelho para juvenis, porém muitos pastores ainda não
aprenderam os rudimentos do Evangelho. No Caminho a Cristo encontrei a
confiança para falar das minhas fraquezas a Deus sem medo de ser condenado. Que
alívio! Nas Confissões de Agostinho compreendi muito sobre o que pode
estar por trás do nosso comportamento. Um ponto mágico no livro é quando
Agostinho se questiona por que ele roubava frutas verdes se ele não gostava delas
e elas não serviam para comer... o mistério das nossas ações... Ele estava
antecipando o que Freud iria descobri séculos depois, a teoria do Inconsciente,
na qual, dizia o mestre de Viena, as nossas ações conscientes são apenas a
ponta do iceberg, é o inconsciente a parte escondida nas profundezas do nosso
ser, e isso envolve também as forças impulsoras do nosso comportamento sexual.
Depois dessa iniciação no deserto
do meu ser, assumi de forma mais positiva minha real personalidade. Admitir os
pontos onde era (e ainda sou) vulnerável, e passei a confiar mais na
providência de Jesus em minha vida, e adotei umas posturas preventivas. (1) Ter
uma amizade franca com minha esposa para que possa falar sem constrangimento
sobre tentação sexual, e ser acolhedor o suficiente para que ela faça o mesmo.
Atualmente, eu brinco com minha esposa dizendo que se a trair não será culpa
dela, mas será por safadeza mesmo; (2) Ter um amigo, NUNCA UMA AMIGA, para
falar sobre minhas tentações sexuais. Graças a Deus tenho alguns amigos com os
quais não tenho nenhum receio de falar sobre o tema. ISSO É MUITO IMPORTANTE,
tanto as pesquisas quando a experiência tem confirmado; (3) Evitar situações de
riscos. Já ouvi de amigos que estavam sendo tentados e que inconscientemente
eram levados a estarem perto da tentação. E o que mais assusta é que a pessoa
envolvida não percebe isso, por isso a importância da alteridade, um outro,
esposa ou amigo, para “abrir nossos olhos”, da antítese nesse processo
dialético existencial. Infelizmente, muitos agem como Caim, “o que eu tenho a
ver com isso? Sou tutor do meu irmão?”. Sim, somos responsáveis. Muitos
problemas sexuais poderiam ser evitados se o tentado tivesse alguém que o
ouvisse e dissesse o que ele necessitava ouvir. Muitos amigos já me deram
puxões de orelhas por algum tipo de comportamento leviano. E como agradeço a
esses caras, eu os amo de verdade. São eles a voz de Deus me dizendo não o que
gostaria de ouvir, mas o que necessitava ouvir. Entretanto, o problema
principal não é a ausência do outro para evitarmos o pecado, mas a não
consciência da presença do Outro (Deus) em nossa vida.
Na dinâmica da tentação, extraída
de Gênesis 3, tudo começa pelo olhar e pelo ouvir. O texto não deixa claro o
que veio primeiro, mas no caso das tentações sexuais o olhar, ou melhor, a
troca de olhares, é o ponto de partida, seguido da aproximação da fonte da
tentação, da fala, do toque e do “comer” do fruto (aqui com duplo sentido).
Nesse processo, a medida que os passos são dados a capacidade cognitiva é
reduzida, é o que mostra a neurociência, o indivíduo vai perdendo sua
racionalidade ao ponto de cometer “loucuras” dominado pelos desejos. Portanto,
a chave consiste em evitar a “troca de olhares”, evitando isso se poupa muitas
situações desastrosas.
O anonimato desnuda a nossa
alma. O texto bíblico citado acima nos adverte quanto ao perigo de
conversar com “a serpente”. Em português o verbo falar na primeira pessoa do
singular do presente do modo indicativo, “eu falo”, está repleto de referência
erótica. Porque “falo” tanto significa o ato de falar quanto é uma referência
ao “pênis” (falo). Na era da virtualidade, o fenômeno do anonimato
(invisibilidade) tem provocado uma alteração no comportamento dos usuários da
internet. Pesquisas mostram que as pessoas são capazes de dizer coisas que não
teriam coragem de dizer pessoalmente. Isso é perfeitamente possível se você se
aproximar demais da “serpente”. Quando leio Gênesis 3 fico me perguntando por
que Eva não reagiu? Por que não ficou assustada em ver uma serpente falando?
Tenho duas hipóteses: a primeira “familiaridade”, talvez já tivesse visto
antes, e na primeira vez tenha estranhado, mas agora estava familiarizada com a
serpente. A segunda, ela foi movida pela “curiosidade”. Familiaridade é um ato
repetitivo, e a curiosidade é o desejo pelo desconhecido. Ambas quando
aplicadas ao campo da sexualidade podem ser fatais. Um conselho que dou, evitem
bate-papo com o sexo oposto na internet, mesmo aqueles que julgamos
“espirituais”. É através do diálogo que estabelecemos redes de intimidades,
sejam positivas ou negativas. Portanto, não pense que as pesquisas mentem
quando afirmam que numa sala de bate-papo você pode desnudar sua alma e assumir
um comportamento completamente diferente de suas crenças religiosas e morais. O
próprio Jesus evitava “conversar” com os espíritos imundos... no deserto seu
“diálogo” com o Diabo foi completamente apologético. Dessa forma, evitar
conversar com a serpente é um modo seguro de não cair na armadilha do inimigo.
O que podemos inferir de tudo
isso? É que o pecado faz parte constituinte da nossa natureza, mas o ATO
PECAMINOSO é perfeitamente EVITÁVEL. Quantas pessoas que conheço que nem sequer
conhecem a Deus e nunca traíram seus cônjuges, quanto mais nós que temos todas
as fontes espirituais a nossa disposição! Acrescento ainda alguns pensamentos.
Não são apenas os ROSTINHOS BONITOS que são tentados, os FEIOS TAMBÉM SÃO
TENTADOS. Falo por experiência! Portanto, não existe ninguém que esteja fora da
esfera da tentação, mas podemos estar debaixo do domo da proteção divina. “Vigiai
e orai, para que não entrei em tentação; o espírito, na verdade, está pronto,
mas a carne é fraca” (Mat. 26.41). Sim, amigos, a carne é fraca, MAS O NOSSO
DEUS É FORTE!!!
Se José, Daniel, Jeremias, Isaías,
os outros Profetas do AT, Jó, João Batista, Paulo e os Apóstolos venceram, nós
também podemos!