segunda-feira, 26 de novembro de 2018

“É POSSÍVEL TRAIR MESMO AMANDO O CÔNJUGE”.



Pr. Evandro L. Cunha, Ph.D.
é especialista em Filosofia e Psicologia da Sexualidade e da Família,
e em Ciências Neuropsicocomportamentais.
É doutor em Filologia pela Universidade de Barcelona, Espanha.


Estou com 52 anos de idade, quase 30 de casado e mais de 20 trabalhando com aconselhamento de família e casais. Tem coisas que só com o tempo e estudo profundo vamos compreender. Assim que iniciei no pastorado pensava que quem trai era um(a) devasso(a). Mas com o passar o tempo compreendi que QUEM TRAI NADA MAIS É QUE UM SER HUMANO. Quanto a frase (título) que usei no meu artigo “Alteridade: a importância do outro”, é um fato científico e bíblico. Não há base teológica para afirmar que Eva e Adão pecaram porque deixaram de amar a Deus. Não há indícios que Davi tenha pecado porque deixou de amar a Deus. O mesmo pode ser estendido a todos os personagens bíblicos que cometeram pecado, e o adultério não escapa desse modelo. A Bíblia afirma que pecamos, não apenas porque temos uma natureza caída (Lúcifer, Eva e Adão não a tinham), mas porque Deus nos dotou com a capacidade de fazer escolhas, tomar decisões, o que teologicamente chamamos de livre-arbítrio. Em outras palavras, o Diabo pode nos tentar, mas o ato pecaminoso só pode se concretizado por nós. Afinal de contas, somos nós quem decide pecar ou não.
Quanto ao que afirmei que “é possível trair mesmo amando o cônjuge” é tanto uma verdade empírica verificável quanto científica. Segundo pesquisa, esse é um fenômeno que afeta mais o sexo masculino, ou seja, os homens são mais dominados pela pulsão sexual, eles traem movidos pelo desejo, independente dos afetos. Enquanto as mulheres quando traem, em sua maioria, o fazem quando há um envolvimento sentimental positivo (se apaixonam) ou negativo (por vingança).
Essa minha afirmação-título pode parecer um tanto escandalosa e heterodoxa, mas é verdadeira. O problema crucial, na minha opinião (o que falo em meu livro “Sexo e Erotismo para Casais”), é que muitos de nós têm uma ideia negativa das pulsões sexuais. Não queremos admitir nossas tentações e fraquezas nesse campo. Porque fomos ensinamos que os santos não têm pensamentos eróticos, portanto, negamos aquilo que somos para sermos aceitos na comunidade dos “normais” e santos. Mas se você é casado(a) e ama seu cônjuge, talvez em algum momento teve uma fantasia sexual com outra pessoa. Embora não admita, nem é necessário fazê-lo, mas você e Deus sabem que isso faz parte constituinte de nossa estrutura neurobioquímica e psíquica. Portanto, não estamos advogando nenhuma heresia, mas uma “teologia” interdisciplinar e trans-eclesiástica da sexualidade humana. Jesus não negou a nossa sexualidade quando afirmou: “Ouviste que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mat. 5.27-28). Ninguém deixa de amar a esposa ou esposo ao olhar para o sexo oposto com intenções libidinosas, isso ocorre porque somos humanos e sexualizados. E ninguém deveria se sentir envergonhado ou inferiorizado por isso. O que Jesus nos advertiu foi que estivéssemos atentos ao olhar, ou melhor, a troca de olhares, como nós afirmamos no artigo mencionado acima.
Portanto, qualquer conselheiro familiar, psicólogo ou terapeuta sabe, por experiência profissional, que o amor não impede o adultério. O que pode neutralizar a infidelidade é nossa tomada de decisão, que no meu caso já mencionado, uso sempre a “fórmula”: Pensar em Deus, em minha família e na minha igreja. Isso tem funcionado até agora como uma força anti-libidinosa, que não erradica meus desejos sexuais, mas os neutraliza a tal ponto de não poder transformá-los em ato.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

ALTERIDADE: A IMPORTÂNCIA DO OUTRO


Pr. Evandro L. Cunha, Ph.D.

Como estudo o tema da sexualidade há mais de 20 anos, um dos aspectos para mim mais intrigante é o adultério. As pesquisas mostram que é possível trair mesmo amando o cônjuge. Outras apontam para fatores genéticos, bioquímicos, psicossociais, etc. Porém, uma instituição americana que trabalha com restauração de pastores que caíram no campo da sexualidade, trouxe um dado muito interessante. Segundo eles, um dos fatores confessados pelos próprios pastores era a falta de prestação de contas da vida espiritual a outra pessoa. Ou seja, não havia ninguém para cobrar um comportamento correto. Numa pesquisa realizada em banheiros públicos em Londres feita em dois modelos, o primeiro consistia em filmar o comportamento dos usuários em banheiros onde havia a presença de um zelador, e o segundo filmar sem a presença do zelador. O resultado foi que o experimento com a presença do zelador, mais de 80% de os usuários lavavam as mãos depois de usar o toalhete. Enquanto, no segundo experimento sem a presença do zelador a reação foi contrária, as pessoas saíam sem lavar as mãos. Conclusão, “a presença do outro altera nosso comportamento”. Isso está em perfeita harmonia com a teologia bíblica. José não pecou porque não sentia desejo de pecar, mas porque tinha essa consciência muito nítida da “presença do Outro (Deus)” em sua vida. Os profetas como Elias e Isaias falaram sobre essa presença metafísica cuja a consciência da mesma inibe o pecado, e a não consciência nos expõe ao pecado. Por viver numa sociedade antirreligiosa às vezes somos tentados a pensar que estamos sozinhos e não tem ninguém nos olhando (espiritualmente falando). A pesquisa mencionada acima expos que os pastores necessitam ser “cobrados” por excelência moral e espiritual. E isso é possível não através de votos administrativos, mas por meio de redes de amizades. Um pastor que não consegue partilhar sua intimidade com sua esposa será uma presa fácil nas mãos do Inimigo. Aqueles que se fecham em si mesmos são os mais vulneráveis. Ter um amigo para “confessar” as tentações é uma das melhores formas de evitar entrar no estágio onde não há mais como resistir, sim, porque a tentação é como um imã, nos atrai mas se mantivermos determinada distância é possível resistir sua força de atração, mas há o ponto crítico que se ultrapassar a linha invisível é impossível o retorno.
É com tristeza que lembro que durante meus 15 anos como pastor ordenado trabalhando na IASD, recordo poucos momentos onde o tema da sexualidade foi trabalhado com os pastores. Entre essas parcas lembranças, algumas eu mesmo tomei a iniciativa em meditações para pastores ou fazendo intervenções nas falas de palestrantes. É certo que em Encontros de Casais Pastorais se fala em sexo, mas geralmente em sexo conjugal, pouco se fala da dinâmica da tentação e como evitá-la. No mestrado, ouvi duas menções diretas sobre o assunto, uma com o dr. Estrada, na matéria sobre aconselhamento (no Unasp), e a outra, numa classe sobre Romanos no Iaene, ministrada por um professor argentino, Pereira creio ser seu nome. Além dessa, um concílio da Divisão no Iaene, ofereceram uma classe sobre sexualidade, optativa porque havia outras aulas simultâneas, onde não creio que foi possível todos assistirem, eu mesmo não consegui. Portanto, há um problema identificado. Enquanto acharmos que nossos pastores são seres super espirituais e inumes às pulsões sexuais teremos problemas.
A realidade é construída pela palavra. O ato de dar nomes as coisas, fez com que elas, de certo modo, passassem a existir. Os teóricos da filosofia dos Atos de Fala advogam que as palavras têm o poder de alterar realidade e construir outras. Dito de outra forma, do que não se fala não existe. Se não falarmos dos problemas em potencial da sexualidade no pastorado, é como se eles não existissem. Se você não fala de determinados temas na família e/ou na igreja, eles deixam de “existir”. O Diabo gosta dessa estratégia. Omitir significa negar a existência, e negando a existência é mais fácil agir sem ser combatido. O inimigo se torna “invisível” porque nós o tornamos assim. Isso é muito perigoso.
Por experiência pessoal quero partilhar como até agora não “caí”, não foi por falta de desejo nem de oportunidade, mas porque incutir na minha mente três PENSAMENTOS POSITIVOS: sempre que sou tentado no campo da sexualidade procuro lembrar-me do meu DEUS, da minha FAMÍLIA e da minha IGREJA (esta ordem não pode ser alterada). Não tem tesão que resista a essa tríade santa! Além do mais, minha vida interior passou por um processo radical quando comecei a compreender a mim mesmo. Isso foi possível bebendo de quatro fontes: a Bíblia, os escritos de EGW, principalmente Caminho a Cristo, os escritos de Freud (a psicanálise) e o livro As Confissões de Santo Agostinho. Na Bíblia aprendi sobre a “natureza humana pecaminosa”, imprevisível, indomável, que sozinha está condenada ao fracasso, mas também compreendi que a salvação é muito maior que todos os nossos pecados acumulados. Isso pode parecer evangelho para juvenis, porém muitos pastores ainda não aprenderam os rudimentos do Evangelho. No Caminho a Cristo encontrei a confiança para falar das minhas fraquezas a Deus sem medo de ser condenado. Que alívio! Nas Confissões de Agostinho compreendi muito sobre o que pode estar por trás do nosso comportamento. Um ponto mágico no livro é quando Agostinho se questiona por que ele roubava frutas verdes se ele não gostava delas e elas não serviam para comer... o mistério das nossas ações... Ele estava antecipando o que Freud iria descobri séculos depois, a teoria do Inconsciente, na qual, dizia o mestre de Viena, as nossas ações conscientes são apenas a ponta do iceberg, é o inconsciente a parte escondida nas profundezas do nosso ser, e isso envolve também as forças impulsoras do nosso comportamento sexual.
Depois dessa iniciação no deserto do meu ser, assumi de forma mais positiva minha real personalidade. Admitir os pontos onde era (e ainda sou) vulnerável, e passei a confiar mais na providência de Jesus em minha vida, e adotei umas posturas preventivas. (1) Ter uma amizade franca com minha esposa para que possa falar sem constrangimento sobre tentação sexual, e ser acolhedor o suficiente para que ela faça o mesmo. Atualmente, eu brinco com minha esposa dizendo que se a trair não será culpa dela, mas será por safadeza mesmo; (2) Ter um amigo, NUNCA UMA AMIGA, para falar sobre minhas tentações sexuais. Graças a Deus tenho alguns amigos com os quais não tenho nenhum receio de falar sobre o tema. ISSO É MUITO IMPORTANTE, tanto as pesquisas quando a experiência tem confirmado; (3) Evitar situações de riscos. Já ouvi de amigos que estavam sendo tentados e que inconscientemente eram levados a estarem perto da tentação. E o que mais assusta é que a pessoa envolvida não percebe isso, por isso a importância da alteridade, um outro, esposa ou amigo, para “abrir nossos olhos”, da antítese nesse processo dialético existencial. Infelizmente, muitos agem como Caim, “o que eu tenho a ver com isso? Sou tutor do meu irmão?”. Sim, somos responsáveis. Muitos problemas sexuais poderiam ser evitados se o tentado tivesse alguém que o ouvisse e dissesse o que ele necessitava ouvir. Muitos amigos já me deram puxões de orelhas por algum tipo de comportamento leviano. E como agradeço a esses caras, eu os amo de verdade. São eles a voz de Deus me dizendo não o que gostaria de ouvir, mas o que necessitava ouvir. Entretanto, o problema principal não é a ausência do outro para evitarmos o pecado, mas a não consciência da presença do Outro (Deus) em nossa vida.
Na dinâmica da tentação, extraída de Gênesis 3, tudo começa pelo olhar e pelo ouvir. O texto não deixa claro o que veio primeiro, mas no caso das tentações sexuais o olhar, ou melhor, a troca de olhares, é o ponto de partida, seguido da aproximação da fonte da tentação, da fala, do toque e do “comer” do fruto (aqui com duplo sentido). Nesse processo, a medida que os passos são dados a capacidade cognitiva é reduzida, é o que mostra a neurociência, o indivíduo vai perdendo sua racionalidade ao ponto de cometer “loucuras” dominado pelos desejos. Portanto, a chave consiste em evitar a “troca de olhares”, evitando isso se poupa muitas situações desastrosas.
O anonimato desnuda a nossa alma. O texto bíblico citado acima nos adverte quanto ao perigo de conversar com “a serpente”. Em português o verbo falar na primeira pessoa do singular do presente do modo indicativo, “eu falo”, está repleto de referência erótica. Porque “falo” tanto significa o ato de falar quanto é uma referência ao “pênis” (falo). Na era da virtualidade, o fenômeno do anonimato (invisibilidade) tem provocado uma alteração no comportamento dos usuários da internet. Pesquisas mostram que as pessoas são capazes de dizer coisas que não teriam coragem de dizer pessoalmente. Isso é perfeitamente possível se você se aproximar demais da “serpente”. Quando leio Gênesis 3 fico me perguntando por que Eva não reagiu? Por que não ficou assustada em ver uma serpente falando? Tenho duas hipóteses: a primeira “familiaridade”, talvez já tivesse visto antes, e na primeira vez tenha estranhado, mas agora estava familiarizada com a serpente. A segunda, ela foi movida pela “curiosidade”. Familiaridade é um ato repetitivo, e a curiosidade é o desejo pelo desconhecido. Ambas quando aplicadas ao campo da sexualidade podem ser fatais. Um conselho que dou, evitem bate-papo com o sexo oposto na internet, mesmo aqueles que julgamos “espirituais”. É através do diálogo que estabelecemos redes de intimidades, sejam positivas ou negativas. Portanto, não pense que as pesquisas mentem quando afirmam que numa sala de bate-papo você pode desnudar sua alma e assumir um comportamento completamente diferente de suas crenças religiosas e morais. O próprio Jesus evitava “conversar” com os espíritos imundos... no deserto seu “diálogo” com o Diabo foi completamente apologético. Dessa forma, evitar conversar com a serpente é um modo seguro de não cair na armadilha do inimigo.
O que podemos inferir de tudo isso? É que o pecado faz parte constituinte da nossa natureza, mas o ATO PECAMINOSO é perfeitamente EVITÁVEL. Quantas pessoas que conheço que nem sequer conhecem a Deus e nunca traíram seus cônjuges, quanto mais nós que temos todas as fontes espirituais a nossa disposição! Acrescento ainda alguns pensamentos. Não são apenas os ROSTINHOS BONITOS que são tentados, os FEIOS TAMBÉM SÃO TENTADOS. Falo por experiência! Portanto, não existe ninguém que esteja fora da esfera da tentação, mas podemos estar debaixo do domo da proteção divina. “Vigiai e orai, para que não entrei em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mat. 26.41). Sim, amigos, a carne é fraca, MAS O NOSSO DEUS É FORTE!!!
Se José, Daniel, Jeremias, Isaías, os outros Profetas do AT, Jó, João Batista, Paulo e os Apóstolos venceram, nós também podemos!


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